A        massacrante felicidade dos outros (Martha        Medeiros)  
  
  
                    Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde        coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco.  
                    Há no ar um certo queixume sem razões muito claras. Converso com        mulheres que estão entre os 40 e 50 anos, todas com profissão, marido,        filhos, saúde, e ainda assim elas trazem dentro delas um não-sei-o-quê        perturbador, algo que as incomoda, mesmo estando tudo bem. De onde vem        isso?  
                    Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão, o poeta        Antonio Cícero, uma música que dizia: "Eu espero/ acontecimentos/ só que        quando anoitece/ é festa no outro apartamento". Passei minha adolescência        com esta sensação: a de que algo muito animado estava acontecendo em algum        lugar para o qual eu não tinha convite. É uma das características da        juventude: considerar-se deslocado e impedido de ser feliz como os outros        são - ou aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar de        ficar tão ligada na grama do vizinho.  
                    As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação, que        é infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias. Os        notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas        angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas        fraquezas, então fica parecendo que todos estão comemorando grandes        paixões e fortunas, quando na verdade a festa lá fora não está tão animada        assim.  
                    Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde        coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar        pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente. Só        que os motivos pra se refugiar no escuro raramente são        divulgados.  
                    Pra consumo externo, todos são belos, sexys, lúcidos, íntegros,        ricos, sedutores. "Nunca conheci quem tivesse levado porrada / todos os        meus conhecidos têm sido campeões em tudo". Fernando Pessoa também já se        sentiu abafado pela perfeição alheia, e olha que na época em que ele        escreveu estes versos não havia esta overdose de revistas que há hoje,        vendendo um mundo de faz-de-conta.  
                    Nesta era de exaltação de celebridades - reais e inventadas - fica        difícil mesmo achar que a vida da gente tem graça. Mas tem. Paz interior,        amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias, desilusões e recomeços,        tudo isso vale ser incluído na nossa biografia.  
                    Ou será que é tão divertido passar dois dias na Ilha de Caras        fotografando junto a todos os produtos dos patrocinadores? Compensa passar        a vida comendo alface para ter o corpo que a profissão de modelo exige?        Será tão gratificante ter um paparazzo na sua cola cada vez que você sai        de casa? Estarão mesmo todos realizando um milhão de coisas interessantes        enquanto só você está sentada no sofá pintando as unhas do        pé?  
                    Favor não confundir uma vida sensacional com uma vida        sensacionalista. As melhores festas acontecem dentro do nosso próprio        apartamento.  
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