O desamador
Fabrício Carpinejar
Tenho, sim, piedade daqueles que empregam o amor como forma de tirania.
Que falam em vão do amor como se fosse fácil encontrá-lo.
Que não exercitam a delicadeza, a retribuição e o cuidado atento, e gritam com quem quer apenas sussurrar.
Armam-se de autoritarismo, de vassalagem, de discórdia.
Não aceitam o contraponto, a discordância.
Para assegurar o domínio, rebaixam seu par para que ele fique dependente, menor, indefeso (não forte, confiante ou otimista, como deveria ocorrer e acarretaria independência).
Que acreditam que o parceiro ou parceira não tem escolha e que ficará se sujeitando aos seus terrores e dissabores.
Da figura do desamado, o que sofre solitário, surge o desamador, o que desagrega a solidão e faz sofrer.
Porque ele recebe o amor e troça de sua força.
Seduz por diversão e hábito, pouco se importando com o envolvimento que se segue.
O desamador dirá depois de usar o amor: "Não prometi nada."
Lavará as luvas para não comprometer as mãos.
Omitirá compulsivamente, que é mais repulsivo do que mentir.
O desamador não tem nada a perder, pois não ama.
O desamador chamará qualquer cobrança de neurose, de doença, de loucura.
Fará a pessoa se sentir torta, infeliz, incriminada de rancor.
Depois ainda contará para os seus amigos e amigas que está sendo perseguido, e apagará o que não combina com a sua versão.
O desamador não fica doente; adoece o mundo.
O desamador não é facultado ao ódio, quem dera! O ódio ainda facilita o amor.
O desamador recorre à intolerância.
Chora somente no sufoco, pede desculpas no momento em que é desmascarado, mas não muda, continuará maltratando com a indiferença.
Ele não é bom, muito menos ruim; é apático.
Seu autoritarismo é a negação da fraqueza.
Tudo que acontece de errado em sua vida vai transferir para quem está ao seu lado.
O desamador emprega a crueldade da reticência, do subentendido; não assume as suas escolhas.
Induz sua companhia a entender, sem dizer nada.
O desamador gera culpa, dúvidas, incertezas.
Não declara sim ou não.
Delicia-se com a confusão.
Custo a crer que o desamador nasceu do ventre de uma mulher.
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