|   DUBAILAND - A  miragem             O xeque Mohammed bin Rashid Al  Maktoum, o soberano de Dubai, vendeu-a ao mundo como a cidade das Mil e Uma  Luzes, uma Sangri-lá do Oriente Médio protegida das tempestades de areia que  assolam a região.             É abril de 2009 e alguma coisa está  mudando no sorriso do xeque Mohammed. Nessa Terra do Nunca, edificada num  extremo do mundo, as rachaduras começam a aparecer. Dubai é uma metáfora viva do  mundo globalizado neoliberal que pode estar  desmoronando.             Entre os guindastes espalhados por  toda parte, muitos estão paralisados, como que perdidos no tempo, e há inúmeros  canteiros de obras inacabados, num abandono  completo.             A   canadense Karen Andrews chegou a Dubai há quatro anos  atrás.             O marido tinha conseguido um bom  emprego numa multinacional.  Assim que o  casal aterrissou no emirado, em 2005, as apreensões desapareceram. "Parecia uma  Disneylândia para adultos, com o xeque Mohammed no papel de Mickey",  relembra.             "A vida era fantástica". Não tardou  muito e Daniel, o marido de Karen, comprou dois imóveis. Mas, pela primeira vez  na vida, ele se embaralhou nas finanças. Karen começou a estranhar as confusões  financeiras do marido.             Passado um ano, descobriu que Daniel  tinha um tumor maligno no cérebro. "Até então, eu não sabia nada a respeito das  leis de Dubai. Imaginei que o sistema local deveria ser parecido com o do  Canadá, ou de qualquer outra democracia liberal". Ninguém lhe havia contado que  em Dubai não existe o conceito de falência. Quem se endividar e não tiver como  pagar vai para a cadeia.              Em Dubai, quando um funcionário  larga o emprego, o empregador tem o dever de comunicar o fato ao seu banco. Caso  tenha dívida em aberto, todas suas contas são bloqueadas e ele fica proibido de  sair do país. "De repente, nossos cartões de crédito pararam de funcionar. Fomos  despejados do nosso apartamento e não tínhamos mais nada". Daniel foi preso no  dia do despejo, condenado a seis meses de prisão diante de uma corte que só  falava árabe, sem tradução.                "Agora estou aqui, sem nada,  aguardando que ele saia da prisão", explica a mulher. Karen dorme dentro de um  Range Rover há meses, no estacionamento de um dos hóteis mais chiques de Dubai,  graças à caridade dos funcionários bengaleses, que não tiveram coragem de  expulsá-la.              O caso de Karen não é único. Por  toda a cidade existem imigrados dormindo clandestinamente nas dunas de areia, no  aeroporto ou no próprio carro. "É preciso entender que em Dubai nada é o que  aparenta ser", resume a canadense. "Você é atraído pela idéia de um lugar  moderno, mas por trás dessa fachada o que temos é uma ditadura  medieval."             Trinta anos atrás, quase toda a área  onde se ergue hoje o emirado de Dubai era deserta. Foi quando os ingleses  bateram em retirada; a dominavam desde o século XVIII. Até que em 1971, Dubai se  juntou a seis pequenos estados vizinhos e formaram a federação dos Emirados  Árabes Unidos. A retirada britânica coincidiu com a descoberta de generosos  lençóis de petróleo na região.                      Al Maktoum decidiu fazer o deserto  enriquecer. Planejou construir uma cidade que se tornasse o centro do turismo e  de serviços financeiros, atraindo dinheiro e profissionais do mundo inteiro.  Convidou o mundo a seu paraíso fiscal - e o mundo veio, esmagando os habitantes  locais, que agora representam só 5% da população total de  Dubai.               Em apenas três décadas uma cidade  inteira surgiu do nada. Um salto do século XVIII para o século XXI em apenas uma  geração.             Toda as noite os milhares de peões  estrangeiros que constroem Dubai são levados dos canteiros de obras para uma  imensidão de concreto, em pleno deserto, distante uma hora da cidade. Ali  permanecem isolados. São levados em ônibus fechados, que funcionam como estufas  no calor do deserto. São cerca de 300 mil homens que moram amontoados.               Nesse local que fede a esgoto e suor  e que foi o primeiro acampamento que visitei, logo fui cercado por moradores,  ávidos para desabafar com quem se dispusesse a ouvi-los.               Depois de muito ouvir, indago se o  grupo se arrepende de ter vindo. Todos olham para baixo. Depois de um tempo,  alguém rompe o silêncio: "Sinto saudade de meu país, da minha família, da minha  terra. Aqui, não dá para plantar nada. Só tem petróleo e obras."                         Um cidadão inglês que trabalhou no  setor de construção me disse: "Ocorrem inúmeros suicídios nos acampamentos e nas  obras, mas ninguém quer tocar no assunto. Dizem que foi acidente."               Um estudo da ONG Human Rights Watch  revelou que existe um ocultamento da real extensão das mortes causadas pela  exposição ao calor, excesso de trabalho e os suicídios.               Na distância, a cintilante silhueta  de Dubai se ergue indiferente.  O dia tem  sempre a mesma luminosidade artificial, o mesmo piso brilhante, as mesmas grifes  de luxo globais. Neles, Dubai se reduz à sua essência: compras e mais compras.               Como se sente o cidadão local diante  da ocupação de seu país por estrangeiros? Quando abordados, as mulheres se calam  e os homens se ofendem, respondendo secamente que está tudo  bem.             Concluo que não é prudente sair  perguntando essas coisas para dubaienses. Dubai não é apenas uma cidade vivendo  além de seus recursos financeiros. O emirado vive além de seus recursos  ecológicos. Dubai bebe o mar. A água dos emirados, dessalinizada em fábricas  espalhadas por todo o Golfo, é a mais cara do planeta. Segundo Dr. Raouf, caso a  recessão se transforme em depressão, Dubai pode ficar desabastecida. O  aquecimento global piora ainda mais a situação.             "Estamos construindo todas essas  ilhas artificiais, mas se o nível do mar subir afunda tudo ..."               Na minha última noite no emirado, já  a caminho do aeroporto, parei numa pizzaria perdida em meio às auto-estradas.  Pergunto à moça filipina do balcão se ela gosta do lugar. "Gosto", diz ela,  inicialmente. "Pois eu detesto", rebato. Ela concorda e desabafa: "Demorei  alguns meses para perceber que tudo aqui é falso. Tudo. As palmeiras são falsas,  os contratos de trabalho são falsos, as ilhas são falsas, os sorrisos são falsos  ... Dubai é como uma miragem. Você acha que avistou água, mas quando chega perto  vê que é só areia."              O estacionamento do aeroporto está  repleto de carros de luxo, não quitados, abandonados por pessoas que voltaram  aos seus países de origem.             Segundo a reportagem alguns nomes  nesse artigo foram modificados)  O artigo  é bem mais extenso, mas cuidei em resumir a reportagem de Johann Hari, sem  furtar ao leitor o necessário para entender o que é, de fato, esse paraíso,  chamado Dubai.  Lucelena Maia – Revista Piauí – 06/2009.  |    | ||
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Nem tudo que reluz ...
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