Fazer O Que Se Gosta          OU   Gostar Do Que Se        Faz? (Stephen        Kanitz)                    A escolha de uma profissão é o primeiro calvário de todo        adolescente. Muitos tios, pais e orientadores vocacionais acabam        recomendando "fazer o que se gosta", um conselho confuso e        equivocado.                    Raramente uma empresa paga profissional para fazer o que os        funcionários gostam, que normalmente é jogar futebol, ler um livro ou        tomar chope na praia. Justamente, paga-se um salário para compensar o fato        de que o trabalho é essencialmente chato.                    Mesmo que você ache que gosta de algo no início de uma carreira,        continuar a gostar da mesma coisa 25 anos depois não é tão fácil assim. Os        gostos mudam, e aí você muda de profissão em        profissão?                    As coisas que eu realmente gosto de fazer, eu faço de graça, como        organizar o Prêmio Bem Eficiente; ou faço quase de graça, como escrever        artigos para a imprensa.                    Eu duvido que os jogadores profissionais de futebol adorem acordar        às 6 horas todo dia para treinar, faça sol, faça chuva. No fim de semana        eles jogam bilhar, não o futebol que tanto dizem adorar. O "ócio        criativo", o sonho brasileiro de receber um salário para "fazer o que se        gosta", somente é alcançado por alguns        professores de filosofia (ou atores pornô) que podem ler o que gostam em        tempo integral. Nós, a grande maioria dos mortais, teremos que trabalhar        em algo que não necessariamente gostamos, mas que precisará ser feito.        Algo que a sociedade demanda.                    Toda semana recebo jovens que querem trabalhar na minha consultoria        num projeto social. "Quero ajudar os outros, não quero participar deste        capitalismo selvagem".                    Nestes casos, peço para deixarem comigo seus sapatos e suas meias,        e voltarem a conversar comigo em uma semana. Normalmente nunca voltam, não        demora mais do que 30 minutos para a ficha cair. É uma arrogância        intelectual que se ensina nas universidades brasileiras e um insulto aos        sapateiros e aos trabalhadores dizer que eles não ajudam os outros. O que        seria de nós se ninguém produzisse sapatos e meias, só porque alguns        membros da sociedade só querem "fazer o que gostam?"                    Quem irá retirar o lixo, que pediatra e obstetra atenderá você às 2        da madrugada? Vocês acham que médicos e enfermeiras atendem aos sábados e        domingos porque gostam?                    Felizmente para nós, os médicos, empresas, hospitais e entidades        beneficentes que realmente ajudam os outros, estão aí para fazer o que        precisa ser feito, aos sábados, domingos e feriados. Eu respeito muito        mais os altruístas que fazem aquilo que precisa ser feito, do que os        egoístas que só querem "fazer o que gostam".                    Teremos então que trabalhar em algo que odiamos, condenados a uma        vida profissional chata e opressora?                    A saída é aprender a gostar do que você faz, em vez de gastar anos        a fio mudando de profissão até achar o que você gosta. E isto é mais fácil        do que você pensa. Basta fazer o seu trabalho com esmero, um trabalho        super bem feito. Curta o prazer da excelência, o prazer estético da        qualidade e da perfeição.                    Se quiser procurar algo, descubra suas habilidades naturais, que        permitirão fazer seu trabalho com distinção e que o colocarão à frente dos        demais.                    Sempre fui um perfeccionista. Fiz muitas coisas chatas na vida, mas        sempre fiz questão de fazê-las bem feitas. Sou até criticado por isto,        demoro demais, vivo brigando com quem é medíocre, reescrevo estes artigos        umas 40 vezes para o desespero dos editores, sou super exigente, comigo e        com os outros. Hoje, percebo que foi este perfeccionismo que me permitiu        sobreviver à chatice da vida, que me fez gostar das coisas chatas que        tenho de fazer.                    Se você não gosta do seu trabalho, tente fazê-lo bem feito. Seja o        melhor na sua área, destaque-se pela sua precisão. Você será aplaudido,        valorizado, procurado e outras portas se abrirão. Você vai começar a        gostar do que faz, vai começar até a ser criativo, inventando coisa nova,        e isto é um raro prazer.                    Faça o seu trabalho mal feito e você estará odiando o que faz, a        sua empresa, o seu patrão, os seus colegas, o seu país e a si mesmo. Esta        é na minha opinião, o problema número 1 do Brasil. Fazemos tudo mal        feito, fazemos o mínimo necessário, simplesmente porque não aprendemos        a gostar do que temos de fazer e não realizamos tudo bem feito, com        qualidade e precisão.  |      |
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